segunda-feira, 24 de novembro de 2008


SOLIDÃO a DOIS


Piso no carpete

suave e levitando.

Não posso acordar-te

nem quero chamar-te.


Tu voltaste triste

longe, como em Marte...

Eu não tenho chave

desse teu recinto

(esse em que te guardas

quase sem senti-lo).


Ando pela casa,

cheiro tua passagem,

luto com meu choro

e digo que faz parte...


Vejo na parede

prova de outros tempos:

não te reconheço

(tu não tinhas Marte!)


Nós ainda antigos

dois, que nada sabem...

Dois que somam tudo,

penso: já fez parte!

Hoje tenho escudo.

Tu- refúgio em Marte.


Creio que guardaste

todas as miradas.

Creio que ensacaste

todos os milagres.

Eu? Relevo em artes.

Faço brincadeiras

no final, faz parte...

Já não somos dois

(somos uns à parte).


Quase que eu te acordo

só para deixar – te.

Já pensou? Chamar-te

só porque faz parte?

Sei que quando acordas

viajas para Marte...


O que tanto evitas

dói – e não faz parte...

Desta forma, amor

(se é que ainda faz parte)

solidão a dois

nada tem de arte...


Vou sair sem beijo

-nada de estandarte-.

Silenciosamente;

no meio da noite.

Mudo para a lua

só- porque faz parte!


Poema da Mulher acostumada.
Fabrico mel como as abelhas,
operária que sou
do nosso amor.
Teço os cantos e arremato
para não aceitar
qualquer dúvida.
E na esquina
ao virar a rua,
o teu motor
eu já adivinho.
E te mato- ruidosamente-
com a minha certeza.
Domestico-te;
como se a indiferença
e a falta de fúria
te caíssem muito bem!

CRENÇA


Nas ideias

e suas vidas.

Que contadas

como fatos

não desdenham

nem se apegam

e me tocam

como brisa

e esperneiam

e me atiçam.


Porque creio

nas beiradas

muito mais

do que no meio;

porque o centro

é muito incauto

na sua pele

conformado.

Creio em coisas

e boatos.


Arrebato

meus pesares

quando fujo

do formato.

Danço nua;

lambo o prato:

desacordo

feito um pato

que do cisne

adora o ato.


E me levo

como um sonho

eito marca

no retrato.

Porque onírico

eu garanto.

Já dos fatos...

Pouco acato!







REVISTARIA


Num café afrodisíaco

descubro solitários.

Cada um se pensa inteiro

fragmentando seus achados.


Acham nada. São cadeados.

São fantasmas

sem pecados...


Ou talvez não se dêem conta:

o que tem de tão valioso

são – por certo-

seus pecados!




TEU OLHAR BOCA


Assusta-me

teu olhar de lobo.

Porque o compreendo

faminto e doce

e sei que encontra

olhares outros...


O que me resta?

Pensar, quem sabe

nas coisas loucas:

um dia despertam

e abrem a porta.


Fico na espera

do som da aorta...

adivinhando...

(um dia me olhas?)


Sem dono ou ponto

um olhar só olha.

Mas nos teus olhos,

olhar...

É boca!

(E então, devora!)


(todos os poemas encontram-se publicados na Usina de Letras)
NA JANELA


Parece que as janelas da noite

abocanham meu olhar em desespero.

Ao olhar para a cidade em lantejoulas

penso em tudo que deixei e que venero...


Já deixei que se esfumassem uns amigos

que de tudo não relembro nem motivo...


Já perdi de tudo um pouco, até segredos,

e encontrei as soluções – ou os enredos.

E não lembro...


Tenho a lisa sensação de tempo vivo

que se escoa feito areia entre meus dedos...

E estes olhos de janela vem de fora,

como bocas que me engolem aos pedaços.

Solidão de muita gente sem abraços...




BARCO de PAPEL


Moro na fronteira das passagens

onde o pouco vale muito

e onde o muito dá no mesmo...

Entre risos e aversões, como nomes

- como bocas e palavras-

sei que a esmola que me brindas

pode ser um bom poema,

uma noite (uma algema ou uma crise...)


Não conjuro como juras

nem pretendo pretensões,

não alieno no limite das absurdas emoções...

mas me entrego feito barco,

de papel- à beira mar...

deixo a espuma e o salitre

penetrar em mim, queimar,

e depois morro na praia:

como areia, junto ao mar...


NOSOTROS


Te invento como al viento

y como si fuera cierto

que el cielo se cansara

de verte así tan quieto.



Así te descubro y te veo

en inquietas calesitas

por los veranos en sueños,

con los brazos como alas.



Quisiera verte cerca

y respirar junto el aire,

como la flor y la tierra

y como grillos y noches.



Pero te sé casi lejos

como si fueras mentira,

y mismo así te saludo

jurando al mundo que existes.



Vamos viajando en el tiempo

como si fuéramos libres

como si nada pasara y

y la vejez no existiera.



Es que en verdad la dejamos

como a una estatua en la plaza.

Y nuestro tiempo es eterno.

Y el corazón, nuestra casa…



MEU POEMA



Uma rua com lanternas


num cenário que destoa.


Uma festa e muita gente:


tudo igual; e tempo à toa.




Desde a torre que construo


vejo o mundo lua afora.


Pode ser que assim delire


-que eu invente tua demora-.


Como pássaros que fogem

sentimentos me abandonam.


Outros vem e me recolhem


-como falam as pessoas!-


Meio alheia e arrastada

esta noite vai embora.


E eu procuro teu sinal.


Es poema meu, agora!







Fome de Ti



Eu te comeria


devorando teu indício


(como se faz pra jogar


flores num precipício).



Pra jogar flores do alto,


a gente sobe nas pontas


e segurando nos braços


derruba os cravos e as rosas...



Assim teria teu corpo


o meu, num abraço,


e segurando os sentidos


serias cravo, e eu rosa...



Mas de verdade eu te digo:


comer um cravo é sem gosto,


prefiro ter teu pedaço


e eu me doar, sem espinhos!









INSTANTES (todos os poemas estão na Usina de Letras)

Fico na beira do rio
a atirar umas pedras.
O sol desenha seus dedos
nas águas calmas
e sinto esta falta -guardada-
ficar enorme.

Talvez eu percorra os instantes
com receio do meu exagero.
Porque sou como equilibrista que
na corda bamba
resolve olhar o chão... e então
pergunta-se : tens certeza ?
E a resposta é sempre não.

Porque a certeza é um tronco morto
e o equilíbrio depende da dúvida.
E o coração do outro é sempre (sempre!)
um templo desconhecido.
Por isso – porque no fundo acredito
que um dia me deixaste visitar lá dentro;
é que continuo
com meu jeito de malabarista
tentando arriscar
te encontrar nas alturas...

VULCÕES

VULCÕES

Admirei sempre
os vulcões humanos.
Aparecem por coincidência
e sabem
dos seus estragos.
Fazem do nada a beleza
e fingem
que não se abalam
são como meteoros
- trazem cauda de estrelas -.

Esses são os amores
loucos, que se revelam:
Sempre em momento errado;
quase sem ter coerência.
Casos de refugiados sós
- corações em chama:
almas que se descobrem
só com o olhar
e a fome...