sexta-feira, 28 de maio de 2010

Saturno

Saturno era um negro gigante.

Cantava com voz de caverna

e eu

e meu irmão

interrompiamos

a aula de canto do meu avô

com as nossas risadas.

O mundo era enorme

desconhecido em tudo

e as esquinas tinham segredos

e mágicas

e aventuras.

Meu avô nos ensinou coisas estranhas.

Clave de sol, música e acordes.

O piano ocupava a sala toda

onde ele recebia os alunos.

Nós fazíamos arte

-de gente grande-

no jardim

e morriamos de rir dos astronautas

que brincavam conosco.

Visitavam nosso barco

cowboys bonzinhos

e detetives

e dançarinas.

Conseguíamos fazer as épocas

sem gastar com figurinos.

e percebiamos os anos

os perfumes

as tocaias.

Todos os deleites de nossas histórias.

Criávamos os tempos com acertados detalhes

e um dia disseram-nos que os sábados

brincados

acabaram.

Soldados esquisitos armaram-se nas ruas

e as noites eram curtas

e não podia mais

haver calçada

com luas

campainha do vizinho

e primos correndo

conosco.

O país (como outros)

ficou em sombra

e muitos amigos da casa que via

nunca mais vi.

Eu não entendia direito

pessoas falando em segredo

e livros queimando no quintal.

Saturno não veio mais

cantar.

Hoje sei de viradas de mesa

de veias abertas, coisa

e tal.

E que o barco dos piratas do jardim

existiu.

Assim como o foguete que partia

com cheiro de bolo

do fundo do quintal.

Sim.

Existiu sim.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Passagem para a Praça


Havia uma lua passageira sobre as cabeças.

Uma poça brilhante como entrada
para o centro da Terra
e muitos olhares difusos
com música brega
na praça de areia.

Ela em sapatos cor de rosa com salto esguio
e ele, chapéu de aba
com ares de gigolô a pegava pela cintura.

De repente um lagarto zig- zagueante atravessou
perto da vala
e a sua intimidade com a rua
velha
e delirante
assustaram a menina.

Por algo que não sabemos
e que nada tem a ver com o lagarto
a briga começou entre os dois.

O homem afastou-se
arrogante.
Poderoso.

E ela, tirando um dos sapatos
correu até ele,
tirou o outro
e os jogou pelas costas do homem.
Correu então em sentido contrário,
sob o olhar espantado
e paralisado
do velho,
correu descalça
sabe-se lá para onde.
A praça toda havia parado.
Desde então, o homem senta-se à noite
todas as noites
no mesmo banco
sob a lua que brilha
agora
gigante... às vezes chora baixinho.

E nunca mais ele a viu.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Bom senso

Se pudesse impediria
essa parte de mim que extrapola.

Sim, não deixaria
que pulasse da primeira ponte pela qual se apaixona
mesmo sendo a mais alta
a garantir a beleza da distância...

Chamaria suas artérias ao bom senso
ou ao mau sentido, já que depende do ponto de vista
mas enfim chamaria:

para que visse a realidade

desse corda aos relógios

e conseguisse ser feliz
com um amor rotineiro
que dá beijo de boa noite
e quando acorda, diz bom dia...

Oceano


Eu procuro corais
no oceano dele.
É muito difícil sem bússola
farol
ou portos.
Acha-se a imensa noite só
e de repente
a tempestade.
Creio afogar-me em correntezas
e quando acredito
de verdade
ressuscito como barco
meio insano:
atirar-se nesse imenso mar escuro
porque a bela profundeza
me reclama;
é loucura muito humana
é doidice
é deserto...
E é por isso
e porque aberto
que os corais que estão na praia
tem quem pegue
e quem os saiba,
que esta bússola que achei
agora manda:
segue as luas lá de cima.
Vá embora (sua náufraga!)
Vê se ainda enfim
te salvas...

Vila Madalena

Nela
deixo meus receios pendurados
e agarro meus prazeres
e os lavo.
Não :
não porque sejam sujos, ao contrário
os prazeres são de vidro
e se quebram.

Ao menor sintoma rude
criam casca,
ficam mudos
e se escondem.

Mas aqui : aqui na Vila
entre muros e desenhos
há o grafite.
Arte pura.
E cabides pros prazeres
pendurar-se
em cada esquina...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Dores

foto: sei lá. Tirei do google mas não consegui o autor. Se souberem, avisem.Por favor.

Algumas dores são indescritíveis
.
Porque abrem a boca e te engolem
e porque vistas de frente
parecem doer por questões que não existem
ou caminhos não caminhados
ou amados nunca amantes.

Algumas dores são relevantes
não porque doam
mas porque dizem segredos de nós mesmos
que não sabíamos...